Eu nasci aqui no Pontal da Barra. Mamãe teve onze filhos, nunca foi à maternidade, as amigas eram as parteiras. Não lembro com quantos anos minha mãe morreu, só sei que foi cento e tantos, mas não ficou caduca. Era um calete (VCR, corpo) bom que o pessoal dos anos passados tinha, muita resistência. Desde os meus quatro anos que faço filé. A minha mãe também fazia filé. Outro dia estava lendo uma revista que dizia que as antigas mulheres do filé são de: Marechal Deodoro; Barra Nova e Massagueira. Não sei quem inventou o filé! A Renascença e o Labirinto também são costuras de muito valor, mas é muito trabalhoso, o Filé é mais rápido.
A minha meninice e mocidade foram uma maravilha que Deus me deu. Aqueles urinóis de alumínios pendurarmos num barbante e colocamos nas costas, a zoada (VCR, barulho) era grande e o povo perguntava: “Que diabo era aquilo ali?”. Eu e minha irmã inventamos uma fala diferente pra meu pai não reconhecer, mas não prestou não, ele sentado aqui na porta disse: “Não mude as falas safadas, que eu sei que são vocês duas, mas tarde venham para levar umas cinturãozada”. Que cinturãozada? Ele terminou foi sorrindo com a gente.
O nome de meu pai era Otávio. Era negociante, vendia tudo que procurasse, até remédios. Dentro do Pontal da Barra era o homem mais trabalhador. No porto ele tinha oito canoas, emprestava para os pescadores que pudesse alugar, fazia essa caridade, gostava de ajudar. Eu também não sei negar.
Eu só dançava no carnaval. Aqui tinha carnaval animado. Eu gostava tanto de carnaval que meu cunhado certo dia chegou e disse: “Gerusa hoje tem uma brincadeira que está tinindo (VCR, muito animada)”. Eu estava comendo, larguei o prato de pirão pra lá, me arrumei para ir. Ele disse: “Vixe que mulher maluca, deixar de comer para ir brincar carnaval”. Nos “entremos” tanto que quando percebi a gente já estava no Trapiche.
Eu estava de repouso porque adoeci. Há dois anos que estou fora de casa. A senhora dona daquele artesanato, casada com meu sobrinho, foi uma segunda mãe para mim. Me “carregou” da casa até o carro. Eu não tomava banho, não caminhava. Quando fiquei doente era tanta visita que parecia uma procissão. Não quero me gabar, mas dentro do Pontal da Barra não tenho inimizade com uma só pessoa, graças a Jesus Cristo e Maria Santíssima. Toda vida fui popular, recebi minhas visitas com carinho, com alegria e atenção. Minha doença foi à pressão alta, altíssima, mas agora estou quase boa.
Depois dessa doença fiquei muito nervosa, muito nervosa mesmo. Não sei se vocês viram aquele caso da menina Isabela? O pai jogou e ela morreu. Chorei tanto. Eu fiquei sem assistir a televisão compadecida de seu sofrimento. Depois vi as notícias dos ladrões de banco que estavam assaltando aqui em Maceió, coisa triste. E essa enchente que deu? Virgem Maria! Foi lamentável. Não leio mais jornal e nem assisto, estou gostando mais de olhar a novela.
Eu vou dizer uma coisa, não sei se foi porque nasci aqui, mas acho que o Pontal é abençoado. Aqui tem corrida de canoa é muito lindo. Vem de diversos lugares e se junta com as daqui. È aquela enxurrada de velas: amarela; verde; azul; vermelha. É uma maravilha! É lindo!
Na festa do padroeiro, São Sebastião, vem gente de tanto lugar. Na festa tem Chegança, Pastoril, Baiana e o Fandango também se apresenta. Quando as baianas passam e capaz de a gente não reconhecer. O Fandango usa uns trajes tão bonitos. São Sebastião sai lindo na charola por terra, São Pedro também sai. O Pontal é pobre, mas é um bairro animado.